Costumo dizer que a vida por si só, se encumbe de muita coisa. Um bebe precisava de leite materno. Minha mãe estava me amamentando. Era leite demais. Por que não amamentar mais um? Assim mamãe conheceu os pais do bebe. Maria e Antonio.Os Assads, para nós. Pais de sete filhos. Moradores da Maria Amália. Um ladeirão na Tijuca, Rio de Janeiro. E a nossa vida se expandiu.
Estas pessoas entraram para a nossa família, somamando até os dias de hoje, 55 anos depois.
Mariazinha, só por conta do tamanho. Mais justo seria chamá-la Mariazão. Ou a Grande Maria.Criou sete filhos e alguns netos. Fez os melhores quibes já provados no Rio de Janeiro e jogou tanto buraco que perdi as contas. Jorge, José, Nely,Neuza, Neide(Que absurdo!), Julia e Tony(meu irmão de leite) eram os filhos dela.
Gente inteligente, brilhante. Com o dom da oratória, prestativos e até hoje queridos no meu coração.
Jorge, José e Nely eram os mais velhos, de modo que minha convivencia foi maior com os outros quatro.
A casa era grande. Lá na Maria Amalia, 618, Onde Neide quer que joguem suas cinzas depois de cremada. Até eu gostaria. E era lá, naquele grande coração, que a gente ía nas férias, feriados ou quando a saudade batia.
Tinha o Bob e depois o Tarzan, um cachorro amarelo. Tinha quintal com balanço e pomar. E, gente, eles tinham telefone. Um luxo na época. O pobrezinho vivia ocupado. Dificílimo falar com eles. Ou as meninas estavam penduradas no telefone namorando ou algum vizinho que vinha pedir para usá-lo rapidinho. A porta desta casa só fechava à noite, de modo que era só ir chegando.
Durante o carnaval mamae costurava as fantasias que escolhíamos para montar os blocos do ano. Assim foi que fui levada para o primeiro baile noturno de adulto, sem os meus pais, pela Julia, Neuza e Neide. Todas vestidas de bruxa.
Até a morte de minha mãe ela sempre lembrava da Julia cantando... E E bruxa E E E! com carinho e rindo de todos os momentos que vivemos naquele endereço. Jogávamos buraco, Julia fazia sorvete de abacate, cantávamos as músicas da Tropicália, testemunhávamos altas discussoes sobre tratados da medicina e outras coisinhas mais, durante os almoços que aconteciam numa mesa de dez lugares.
Jorge , José, Neide, Tony e Liva, hoje marido da Neide, faziam medicina. Nely e Julia eram professoras e Neuza era psicóloga.
Tia Maria só tinha empregados homens. Teve o Riqueza (apelido dado pelos meninos) que matava um de rir. Riqueeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeza! chamavam todos ao mesmo tempo e o pobre rapaz quase morria correndo pra um e pra outro sem parar. Kd minha meia? Vai ali me comprar cigarros! Descasca umas laranjas pra nós! Certa feita se jogou no chão e começou a pedir desesperado que cada um o chamasse de uma vez. As vezes, cansado ía pro banheiro e não voltava. Acho que cochilava.
Estávamos de férias jogando cartas e o Paulão, então namorado da Neuza já tinha gritado o nome dele n vezes e ele não aparecia. Nely, de fala mansa passava por nós e dizia ... Paulo ele tá no banheiro! Depis de um tempo o Paulo foi no banheiro abriu a porta e levantou o coitado do vaso com as calças ainda descidas. Vai comprar meu cigarro Riqueza! disse. No que o rapaz exclamou que ainda morreria de tanto subir e descer a ladeira. Realmente era só o moleque chegar para alguém lembrar que tinha esquecido de pedi-lo para trazer algo e ele já ia descendo a rua novamente.
As meninas competiam qual delas imitava melhor a Neide Aparecida, garota propaganda da época. Nos faziam sentar e assistir a encenação. Era muito bom. Bom estar lá e bom ouvir o texto que nunca mudava. Se voce deseja adquirir um televisor... tantas polegadas vá a To ne lux!!! A mais bonita loja da cidade! Todas faziam bem; de modo que cada dia escolhíamos uma para ser a Neide Aparecida da vez. Um dia a Júlia, noutro a Neuza e noutro a Neide.
Neide tinha o apelido carinhoso de "Q absurdo", devido ao hábito de continua repetição desta expressão. Assim combinamos que na sua a formatura quando no auditório chamassem o nome dela todos gritaríamos...Que absurdo!. E o fizemos em coro uníssono.
Tempos depois eu fui estudar numa escola onde ela trabalhava o que fez com que estreitássemos os laços, uma vez que ela me dava carona no taxi de volta para casa. Naquela época no Rio era comum mocinhas serem desviadas de seu trajeto pelos motoristas de taxis. Guardiã da minha virgindade, ela descia do taxi na Tijuca e eu continuava até o Grajaú. Como o horario da escola era o noturno tinhamos uma senha. Quando ela descia ela pagava e dizia... Anginha quando chegar me liga... e piscava o olho. Ou seja se o motorista estivesse pensando em me iniciar em qualquer coisa que moça de família não fizesse, já desistiria.
Teve uma época na minha vida que eu não queria nada com a hora do Brasil. Tinha terminado o segundo grau e tava tudo bem. Até que Neide me procurou me chamando de discarada porque eu não ia ter um dra na frente do nome já que eu não estava fazendo faculdade. Tanto fez que um dia me ligou e falou que eu arrumasse os documentos porque na semana seguinte iríamos fazer a inscrição para o meu vestibular. Lembro que ela passou para me buscar num taxi e que no trajeto fomos discutindo que curso eu faria. Isso é o que eu chamo de escolha consciente! kkkkkkk .Mas vamos lá. Tudo para não ter que depender de marido, o que era uma coisa antiquada pra época. Assim foi que mais uma vez ela influenciou a minha vida.
Anos antes, ainda estudantes de medicina, ela e o Liva tinham salvado minha vida me tirando de um edema de Glótis.
Mas, voltando ao vestibular,como não dava tempo de frequentar um cursinho pre vestibular o Tony me deu umas aulas durante quinze dias e os outros me ensinaram a "Chutar as respostas" que eu não soubesse.
Observando Julia aprendi o que era a determinação, a doçura e a facilidade de pintar os olhos com crayon e usar um rímel. Afinal eram os anos 60 . E aprendi que a matemática podia ser atraente. Anos mais tarde foi a minha filha quem aprendeu com ela a matemática, melhor dizendo, a problemática nossa de cada dia. Apelido que eu havia dado quando no ginásio, matéria me tirava o sono.
É, mas legal mesmo eram os natais que passavamos juntos em Itaipava todos casados ou descasados com os filhos adolescentes. Com discursos da Neuza, preces e muito apetite. Como se comia!!! Às vezes digo que nossa geração tinha apetite pela vida. Muito. Apetite de liberdade, emancipação, mudança.
Cada um fazia uma especialidade e depois acertávamos os gastos. Num destes natais foi que o Tony disse para a Julia que os bombons dela estavam mais caros que os bombons Godiva. Risos...
E que o Luiz Alberto, marido da Julia, depois de tomar um chazinho para a digestão pediu uma fatia fina de panetone para acompanhar a bebida que a princípio seria um recurso digestivo.
Bom demais!Tudo que foi, é e ainda será vivido com esta família que é tão minha também.
Mariazinha já se foi, assim como já se foram seus filhos mais velhos, minha mãe e meu irmão. Resta nos a esperança que eles estejam num lugar tão rico de experiencias, quanto foi a casa da Maria Amália em nossas vidas.
Há pouco tempo soube que a casa não existe mais. Pode até não existir mais fisicamente, mas vive indelevel em nossos corações, assim como tantas outras lembranças que nos remetem ao amor vivido naquele endereço. As festas de aniversário que Neide faz anualmente, onde nos reencontramos inclusive com amigos não citados aqui, que o digam.
O natal tá aí. Quanta coisa não gostaríamos de pedir ao bom velhinho. Que voltassemos no tempo. Que nossos filhos e nossos netos vivam um pouco do que vivemos juntos. E que os que já partiram estejam rodeados de luz. A mesma luz de amor que emanaram, enquanto encarnados. Amém!
Prometo voltar com mais casos Assadianos numa próxima postagem! Aguardem!
Este texto tem como arte uma abstração lírica que influenciou os anos 50 e 60