sexta-feira, 23 de maio de 2014

A última lição ( A vida ultrapassa qualquer entendimento)

                                                                     
                                                                             
                                                                     
         

          Papai faleceu. Assim de uma hora para a outra. Já tinha morrido, como diz Marta Medeiros, a cada perda, a cada tombo, a cada separação.
Papai vinha "se despedindo aos poucos da vida". Falando cada vez menos, andando menos, tomando seu banho com dificuldade. Mas é estranho pensar que uma semana atrás eu fui à FEB colocar seu nome para irradiação na caixinha dos encarnados e ontem voltei , mas desta vez procurando a caixinha dos desencarnados.
          Faleceu como um passarinho, diriam. Dormindo. Graças a Deus na casa que morava e com a gente. Não passou por hospitais e todas aquelas técnicas muitas vezes desumanas que a gente conhece. Foi obediente. Eu dizia para ele que não admitiria vê-lo terminar num hospital e ele olhava para mim com aquela expressão de surpresa que só as pessoas que tem fé na vida poderiam ter numa hora destas. Voce parece doida, dizia.
          Meu pai corajoso se foi e me deixou assim... com a boca aberta. Não tenho nem a metade da coragem ou tranquilidade que ele tinha. Papai era tão convicto de suas ideias que achava tudo que eu falava ultimamente uma balela!
Papai voê vai cair. E ele continuava andando pela casa à noite. Papai você pode ter um efizema com todo este cigarro e ele...nada.
         Muito cedo papai aprendeu a se virar e penso que como foi conquistando as coisas foi reforçando a confiança em si e na vida. De modo que nada para papai era visto com alarde ou impossível.  Se trabalhar tem, dizia. Simples.
          Nos últimos 7 anos morou com a gente e passou por vários exames e três cirurgias com a coragem de um guerreiro. Me via preocupada com o que fosse e achava um desperdício de energia.
Papai não tinha o medo ou a vã vontade de controlar tudo como eu, e assim os fantasmas eram meus. A doente era eu. Ele acreditou na vida, na saude e no bem estar até o final.
_Tudo ia dar certo. _Deixa a Marina, dizia ele. _As bisnetas tem saúde! _Para com isso. _Você fez ele chorar!_ Leva o Max no avião com a gente, ué! _Come menos que você perde peso!
O nome disso é coragem e entrega. Lembro dele mais novo mais tenso, mas agora no final quando nem geria mais seu dinheiro relaxou. Mesmo.
          Assim decidi escrever este texto para dizer que a ultima e talvez a maior lição que ele tenha me dado tenha sido a de ter fé na vida e entregar cada situação. Horas antes dele falecer eu ainda critiquei o cigarro e a desobediência dele para algumas coisas, mas ele nem ligou. Parece que os medos não o atingiam. Disse a ele que se ele não cuidasse dele mesmo ele ia ter que ser internado. Ele disse: Não vou não! Deitou e durante a noite se desligou de nós. Silenciosamente. Sem agonia. Uma morte merecida por ter sido tão alegre e confiante.
          Que Deus misericordioso o tenha em seus braços agora e sempre e que junto dele estejam todos os seus que já foram para a morada final. 
Eu, daqui, vou tentar mudar minha maneira ansiosa de ver a vida. Obrigada, pai. pela vida, pela maneira pratica de ve-la e por esta ultima lição que você me deixou. A de saber que viver também é confiar e que, sendo assim, podemos ser menos queixosos e , por consequência, muito mais felizes.
A sua benção!

Foto de papai com Dagmar ( mãe de Roberto )